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Cristo do Sertão

By 24 de fevereiro de 2020 No Comments

Na minha recente viagem ao sertão procurei conhecer a alma do sertanejo e quem a melhor interpretou.

Numa das conversas que mantive com dois preciosos amigos, pedi licença para que ouvissem o artista carioca cuja canção mais me ajudou a entender o drama do nordestino que deixou o agreste e veio para o Rio de Janeiro e São Paulo a fim de escapar da miséria.

Letra e música são lindas. Chico Buarque descreve assim a saga desse povo:

“A novidade

Que tem no Brejo da Cruz

É a criançada

Se alimentar de luz

Alucinados

Meninos ficando azuis

E desencarnando

Lá no Brejo da Cruz

Eletrizados

Cruzam os céus do Brasil

Na rodoviária

Assumem formas mil

Uns vendem fumo

Tem uns que viram Jesus

Muito sanfoneiro

Cego tocando blues

Uns têm saudade

E dançam maracatus

Uns atiram pedra

Outros passeiam nus

Mas há milhões desses seres

Que se disfarçam tão bem

Que ninguém pergunta

De onde essa gente vem

São jardineiros

Guardas noturnos, casais

São passageiros

Bombeiros e babás

Já nem se lembram

Que existe um Brejo da Cruz

Que eram crianças

E que comiam luz

São faxineiros

Balançam nas construções

São bilheteiras

Baleiros e garçons

Já nem se lembram

Que existe um Brejo da Cruz

Que eram crianças

E que comiam luz”

À luz do que pude compreender da ética cristã, afirmo, sem medo de estar equivocado, que -levar dignidade de vida para quem mora no sertão e combater a exploração da mão de obra do sertanejo sem cuja presença nossas grandes cidades sofreriam um colapso na indústria, comércio e setor de serviços-, são causas a serem abraçadas por todos aqueles que conheceram o Cristo revelado pelos quatro evangelhos.

Contudo, para conhecer esse Cristo e servi-lo é necessário que milhões de cristãos sejam salvos da cultura das instituições religiosas do país, que os faz coar o mosquito do moralismo estreito e psicopatológico e engolir o camelo da pobreza que assola milhões de seres humanos, entre os quais encontram-se aqueles que são chamados de “irmãos na fé”.

Na minha jornada pelos bolsões de miséria do Brasil ficou evidente que milhões de evangélicos estão entre mais os pobres da nossa nação.

Que conheçamos o Cristo que nos apresenta questões morais que não nos são apresentadas pelos pregadores estrangeiros que para aqui se dirigem a fim de impor agenda moral que nem de longe toca nas grandes provocações à santidade de Deus que ocorrem diante dos nossos olhos no Brasil. Antigas, crônicas, endêmicas, repugnantes.

Que façamos teologia dentro da casa de taipa, na estrada de barro, na terra que arde “qual fogueira de São João”. Que vejamos com os olhos da solidariedade os que “balançam nas construções”. Que perguntemos de “onde essa gente vem”.

Que levemos a salvação integral, no sertão e nas grandes cidades, a quem devemos tanto.

Antonio Carlos Costa

Antonio Carlos Costa

Teólogo, jornalista e ativista social. Plantador da Igreja Presbiteriana da Barra (Rio de Janeiro) e fundador da ONG Rio de Paz. Nascido no Rio de Janeiro em 1962. Casado com Adriany. Pai de três filhos: Pedro, Matheus e Alyssa.

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