Na minha recente viagem ao sertão procurei conhecer a alma do sertanejo e quem a melhor interpretou.
Numa das conversas que mantive com dois preciosos amigos, pedi licença para que ouvissem o artista carioca cuja canção mais me ajudou a entender o drama do nordestino que deixou o agreste e veio para o Rio de Janeiro e São Paulo a fim de escapar da miséria.
Letra e música são lindas. Chico Buarque descreve assim a saga desse povo:
“A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz”
À luz do que pude compreender da ética cristã, afirmo, sem medo de estar equivocado, que -levar dignidade de vida para quem mora no sertão e combater a exploração da mão de obra do sertanejo sem cuja presença nossas grandes cidades sofreriam um colapso na indústria, comércio e setor de serviços-, são causas a serem abraçadas por todos aqueles que conheceram o Cristo revelado pelos quatro evangelhos.
Contudo, para conhecer esse Cristo e servi-lo é necessário que milhões de cristãos sejam salvos da cultura das instituições religiosas do país, que os faz coar o mosquito do moralismo estreito e psicopatológico e engolir o camelo da pobreza que assola milhões de seres humanos, entre os quais encontram-se aqueles que são chamados de “irmãos na fé”.
Na minha jornada pelos bolsões de miséria do Brasil ficou evidente que milhões de evangélicos estão entre mais os pobres da nossa nação.
Que conheçamos o Cristo que nos apresenta questões morais que não nos são apresentadas pelos pregadores estrangeiros que para aqui se dirigem a fim de impor agenda moral que nem de longe toca nas grandes provocações à santidade de Deus que ocorrem diante dos nossos olhos no Brasil. Antigas, crônicas, endêmicas, repugnantes.
Que façamos teologia dentro da casa de taipa, na estrada de barro, na terra que arde “qual fogueira de São João”. Que vejamos com os olhos da solidariedade os que “balançam nas construções”. Que perguntemos de “onde essa gente vem”.
Que levemos a salvação integral, no sertão e nas grandes cidades, a quem devemos tanto.