DESINTERESSE
Sinto-me sem a mínima disposição para acompanhar os jogos. Confesso que experimento até certa irritação quando se fala sobre a seleção brasileira como se estivesse falando de algo essencial para a vida do brasileiro. Não me julgo, contudo, moralmente superior a ninguém por isso, nem condeno quem vai torcer.
PREOCUPAÇÃO
O país receberá 600 mil turistas estrangeiros. Número incontável de jornalistas, repórteres, cinegrafistas, fotógrafos, atletas, dirigentes etc. Deve ocorrer muita manifestação de rua. O Estado está preparado para oferecer segurança a toda essa gente? O risco de atentado terrorista está descartado? E quanto à mobilidade? Os aeroportos funcionarão? Há risco de apagão nos estádios? A polícia saberá respeitar com inteligência e sensibilidade os manifestantes?
COMPROMISSO
Ninguém tem o direito de cortar a alegria do brasileiro que quer celebrar a realização da Copa no Brasil. Não há o que justifique não tratar com hospitalidade o turista estrangeiro. Usar de modo político-partidário a Copa em ano de eleição não é o melhor caminho para o fortalecimento da nossa democracia. Tem muita gente torcendo contra movida por fome e sede de poder. Espero, portanto, cooperar para que o turista seja bem recebido, todos possam torcer livremente, os profissionais de imprensa façam o seu trabalho com segurança e a Copa não seja boicotada por motivo político.
INDIGNAÇÃO
A Copa foi realizada sem o consentimento do povo, com o dinheiro do contribuinte e sem retorno para a população. A FIFA e empresários vão faturar uma fortuna, numa plataforma para a realização da competição esportiva dada pelo poder público brasileiro. Num país com tantos problemas sociais, a realização da Copa com verba pública é um problema moral. Sinto-me enganado. Disseram que a Copa seria realizada com recursos da iniciativa privada e que deixaria um legado na infraestrutura do nosso país.
APRENDIZADO
A FIFA tem cobrado do Brasil compromisso com a excelência. O "Padrão FIFA", expressão criada pelo Rio de Paz. Vimos um choque cultural. O que de melhor existe na cultura que está por trás da FIFA e o que de pior existe na cultura brasileira, caracterizada pelo atraso, improviso, não cumprimento de acordos e desleixo. Precisamos lidar com o poder público como o Blatter e o Valcke têm feito. Bater na mesa, pedir cumprimento de metas, cobrar respeito ao cronograma, exigir excelência.
OPORTUNIDADE
Vou para as ruas protestar. Estamos diante de oportunidade histórica rara de lutar pelos nossos direitos. Milhares de jornalistas do Brasil e do mundo estão aí para dar visibilidade às nossas demandas sociais. O poder público errou. Vive momento de vulnerabilidade, que pode ser usada, não para desestabilizá-lo, mas para fazê-lo ouvir a quem ele não ouve.
PAZ
Faço parte de uma entidade de defesa dos direitos humanos que tem forte compromisso com ações pacíficas. Temos colhido os frutos de um modo de atuação mais eficiente do que queimar ônibus. Usar informações precisas, dar visibilidade à injustiça, expor os erros do poder público, criar imagens que perturbem, apresentar à autoridade pública petições, escrever para os jornais, atuar através das redes sociais de internet, mobilizar a favela, contar com a ajuda dos profissionais de imprensa que estão na ponta, agir com rapidez em cima dos fatos, atuar nas mais diferentes regiões do país. Vamos usar nessa Copa todas as armas da razão, da democracia, da criatividade e do direito.
TORCIDA
Torço pelo país nesta Copa. Espero que as manifestações dos próximos dias preparem o Brasil para as eleições de outubro. Que todos os candidatos sejam forçados a assumir compromisso com a melhoria dos serviços públicos, combate à desigualdade, luta contra a corrupção, investimento em infraestrutura, plano de mobilidade urbana, entre outras demandas sociais mais, deste país que é a sétima economia do mundo e ao mesmo tempo um dos mais desiguais do planeta. Esse Brasil espera poder contar contigo nessa Copa, ainda que você não assista um jogo sequer da seleção brasileira por estar lutando pelo brasileiro.
Antônio C. Costa
Foto: Moradores da comunidade do Jacarezinho, no Rio, protestando contra o investimento de dinheiro público na Copa, num país no qual médicos não dispõe de condições dignas de trabalho e brasileiros morrem em fila de hospital.